Quando a mente sussurra e o corpo grita
- 17 de jul.
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Durante muito tempo, aprendemos que só se vai ao médico quando o corpo dói. Quando há febre, quando a garganta arranha, quando algo visível nos impede de continuar. Crescemos com a ideia de que só se procura ajuda quando já não conseguimos ignorar o que sentimos.
Mas, felizmente, os paradigmas estão a mudar. Ainda devagar, é verdade — mas já se nota uma nova consciência a nascer.
Começamos, pouco a pouco, a perceber que a saúde mental também precisa de atenção, de cuidado, de escuta. E que há dores que não se veem… mas que pesam todos os dias.
Há sintomas silenciosos — o cansaço que não passa, a irritabilidade sem razão aparente, o isolamento que se instala devagar, as lágrimas que aparecem sem explicação. Pequenos sinais que a mente nos envia, quase num sussurro, a pedir ajuda. E quando não ouvimos, o corpo fala. Fala alto. Fala com dores de estômago, dores de cabeça, palpitações, insónias.
Porque quando a mente não consegue digerir, o corpo queixa-se.
E na adolescência, tudo isso pode ser ainda mais confuso. Tudo parece maior: as dúvidas, os medos, as emoções que transbordam sem freio, o corpo a mudar, o mundo a exigir. É uma fase intensa. Bonita, sim, mas também exigente. E tantas vezes subestimada.
Quantas vezes ouvimos (ou até dissemos) “isso é só uma fase”, “vais ver que passa”, “estás a exagerar”? Na tentativa de proteger, acabamos por minimizar. Na vontade de ajudar, acabamos por afastar.
Mas ignorar pequenos sinais pode ser o início de algo maior. E não — não estou a falar de doença, nem de diagnósticos, nem de alarmismos. Estou a falar de prevenção. De cuidado consciente. De estarmos atentos antes de a dor se tornar demasiado pesada. Porque sim, há muitas situações que podem ser tratadas — mas se forem prevenidas, tanto melhor.
E é aqui que muitos pais se sentem perdidos.
“É normal o meu filho isolar-se assim?” “É só preguiça ou é algo mais?” “Devo dar espaço ou devo insistir?”
São perguntas legítimas. E difíceis. Porque a adolescência traz, por si só, mudanças no humor, necessidade de privacidade, algum afastamento. Mas há sinais — mais subtis ou mais evidentes — que nos dizem: “algo não está bem”.
Alguns dos sinais de alarme que devemos observar com carinho e atenção:
Mudanças bruscas no comportamento ou na personalidade
Isolamento social persistente
Alterações no sono (dormir demais ou insónia constante)
Alterações no apetite ou no peso
Irritabilidade constante, explosões de raiva sem motivo claro
Falta de interesse por tudo o que antes entusiasmava
Comentários recorrentes sobre sentir-se inútil, culpado ou “sem sentido”
Sintomas físicos sem explicação médica (dores frequentes, cansaço extremo)
Semblante permanentemente triste, olhar vazio, “peso no rosto”
Falta de autocuidado: não tomar banho, não lavar os dentes, não mudar de roupa
Desorganização excessiva e prolongada do espaço pessoal, como o quarto
Recusa em comunicar, mesmo quando há tentativas afetuosas de aproximação
Estar atento não é controlar. É cuidar com presença. É escutar com o coração, mesmo quando o silêncio pesa. É acolher sem julgamento, mesmo quando não compreendemos de imediato.
Procurar apoio emocional não é sinal de fraqueza — é um ato de coragem. É um passo bonito em direção à vida. E quanto mais cedo se aprende a pedir ajuda, mais cedo se ganha força para enfrentar o que quer que venha.
Foi por isso que este projeto de mentoria nasceu — para oferecer um espaço seguro, antes que o peso seja grande demais. Um espaço onde os adolescentes possam respirar, ser ouvidos, compreender-se. E onde os pais também encontrem orientação e clareza neste processo desafiante de acompanhar um filho em construção.
Porque ninguém devia ter de esperar que a dor se torne insuportável para ser levado a sério.
Cuidar da mente é cuidar da vida. E nunca é cedo demais para começar.
Inês Saldanha





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